sexta-feira, 10 de abril de 2009

Amor, uma reflexão contemporânea.



Pra começar a escrever um assunto que te incomoda, a tarefa fica bem mais difícil. A verdade é que estamos em 2009, século 21. Uma nova era se estabelece depois da pedra lascada, do metal, da antiga, das trevas, da medieval, renascentista, industrial, chegamos à mais espetacular e desenfreada era, a da informação. Historiadores, filósofos, críticos, sociólogos, até curiosos, pouco atentaram para as nossas reflexões contemporâneas do desenvolvimento humano.

Maravilhas da vida que não se esquecem mais. A natureza do Homem que o faz diferenciar dos outros animais é o poder de processar idéias e pensamentos com mais intensidade, mas isso não quer dizer que outros instintos não estejam aflorando e atuando na pessoa humana com a mesma fluidez. Falemos da relação entre pessoas, falemos de sentimento, falemos de amor.

Nesta ordem social tem prevalecido, por demais apreciada, a condição do Homem como uma estrutura fundada no desenvolvimento econômico e intelectual. O Homem virtuoso de hoje continua seguindo os mandamentos do Mundo sensível. No campo da matéria é que se mantêm as relações. Porém, uma nova tendência vem tomando força, o significado da palavra amor.

Quando suprida a base das necessidades do Homem, estabilidade financeira, realizações pessoais, o indivíduo vem, por seu turno, buscar seu autoconhecimento indo ao encontro da felicidade, mesmo que de maneira inconsciente. Certa vez, disse Mahatma Ghandi: “a vida é a eterna busca pela felicidade, ser feliz já basta”.

A definição do que é o amor, perpassa a própria história da civilização desde sua origem. Muito encanto e mística envolvem a rasa consciência deste conceito. Sob a ótica grega clássica “O Banquete”, diálogo do filósofo Platão, nos apresenta uma belíssima e profunda discussão sobre o amor. Conta o mito dos deuses gregos a história de Eros, deus do amor, em trecho extraído do discurso de Sócrates:

Quando Afrodite nasceu, os deuses celebraram um banquete, ao qual compareceu, entre outros, Poros, deus da abundância, filho de Métis, deus da prudência. Acabada a ceia, apareceu Pênia, deusa da pobreza, a pedir licença para participar do banquete, detendo-se à porta. Poros, embriagado de néctar – porque o vinho ainda não existia – saiu para os jardins de Zeus e aí adormeceu profundamente. Pênia, impelida pela penúria, teve a idéia de conceber dele um filho por astúcia. Deitou-se, pois, a seu lado e dele concebeu Eros. Por haver sido gerado no mesmo dia do nascimento de Afrodite, por amar naturalmente o belo e porque Afrodite é bela, Eros tornou-se servo e companheiro da deusa. Eis, pois, como filho, que é, de Pênia e Poros, qual foi seu destino. Primeiro de tudo, é pobre e está longe de ser delicado e belo, como muita gente o supõe. É pelo contrário, rude e sórdido, anda descalço, deita-se na terra, sem leito, dormindo ao relento, na soleira das portas, e no leito das ruas. Em suma, vive, como sua mãe, em eterna penúria. Por outro lado, herdeiro das qualidades paternas, anda sempre no encalço do belo e do bom, ousado, tenaz, valente urdidor de intrigas, sequioso de saber, perspícuo, filosofante, feiticeiro, mágico e sofista. Não é por natureza, nem mortal nem imortal. No mesmo dia floresce e vive, enquanto na abundância; quando satisfeito, morre; mas renasce daí a pouco, graças ao natural que herdou do pai. Tudo o que possui se desvanece assim que toca. De sorte que Eros nem é rico, nem é pobre.”

Uma linda parábola grega que nos encanta com sua profundidade e riqueza de significado. Mas isto não basta. Ainda no início, dizia-se que o amante é aquele que busca o belo, busca o bom. Todavia, afirmativa incontestável era de que aquele que possuía o belo, que era possuidor do bom, não mais necessitaria buscar. Concordavam que não era plausível que o sábio quisesse a sabedoria porque já a tinha, que o rico não mais poderia querer a riqueza, pois possuidor o era. Então, quem ama busca o que é belo, o que é bom; e quem já o possuía, não era capaz de amar? A discussão segue por muitas vertentes e meandros. Segue quase que incansável.

Qual é a noção que se tem hoje de amor? Poderia garantir em mais uma frase de efeito que: amar é muito difícil, não sabemos exatamente o que é isso; sofrer por amor é mais difícil ainda, isto sabemos exatamente o que é.

Quanto tempo temos para amar? É possível ser feliz sem amar? Qual o mecanismo que move nossas emoções? Talvez jamais consigamos responder tais questionamentos. Na mesma linha, na visão do espiritismo, sabemos que somos o reflexo do mundo espiritual, que estamos em franca evolução. Como na filosofia, do mundo das idéias para o mundo sensível, sempre caminhamos para a perfeição.

A velocidade da informação, a vida cotidiana, a nossa rotina nos impede muitas vezes de lembrar o que é importante para cada um de nós. Damos atenção àquilo que no final de nossas jornadas não vai nos interessar. Somente temos noção das coisas quando estamos por perdê-las. Olhamos com critério apenas quando nos é ameaçado o acesso. A morte é a maior das verdades, é a soberana certeza que não podemos desmentir. Porquanto a vida prossegue, a felicidade interessa, mas a que preço?

O amor, este sim tem poder. Poder de transformar, de criar, inspirar o mais ignorante e insignificante ser. Por menor que seja, o amor o elevará às alturas e serás feliz. Todas as dificuldades serão como oportunidades para novas e promissoras soluções. Quem ama vive alhures daquele que não o compadece.

Por amor ao debate, defino que é deveras simples amar. Quão seria inócua a vida sem aquilo que nos impulsiona, que nos move? Cada instante estamos amando sem perceber. Ao despertar bem cedo para trabalhar estamos praticando o amor, amor a nós mesmos, amor por um dia melhor, por um bom desempenho na carreira. Sobremodo importante faz ressaltar o amor entre os pares. Amor entre aqueles que praticam o ato sexual, que exaltam a essência da dedicação e incondicionalmente se desejam. Neste caso é patente e sintomático o amor.

Esta singela reflexão segue meritória diante da análise do nosso cotidiano. Convencionando-se o amor entre um homem e uma mulher, numa observação social somada ao conhecimento empírico, percebemos que a relação amorosa não se consuma com o primeiro instante, o amor à primeira vista se constitui em paixão à primeira impressão. Diremos que foi “amor à primeira vista” a partir do momento em que já se encerrou o processo de edificação do desejo de amar. Paixão ou admiração se transformam em amor. A velocidade dos nossos tempos, da informação, o desejo de querer vencer e ser capaz de se posicionar em sociedade, a gana de encontrar o espaço sócio-econômico nos remete ao distúrbio e esquizofrenia urbana. Hoje afagamos nossas angústias, nossa solidão através de uma tela de computador. O facebook como verdadeira ferramenta social, também nos elide de nos completar verdadeiramente com nossos pares. Acabamos acreditando que somos felizes e completos quando tudo, na verdade, é artificial. Não damos conta que somos solitários sentados entre uma cadeira e um teclado.

Ora, mas o amor verdadeiro deve ser recíproco? Não importa o quanto é recíproco ou não, ressalvando-se que até certo ponto o amor sobrevive só. Na longa estrada entre a paixão e o amor, a reciprocidade faz-se acessória. Primeiro opera-se a impressão, depois nossas atenções são direcionadas para o alvo – o parceiro, ou parceira – no momento em que nosso cérebro processa uma informação de que alguém nos atrai, inicia-se o movimento psicossomático rumo ao amor verdadeiro. É um processo que vai se desenvolvendo à nossa revelia, naturalmente, inconscientemente vamos desenvolvendo sintomas de envolvimento físico e psíquico. Podemos afirmar que não é possível entender o que é o amor sem a noção mínima de diversos ramos da ciência como a física, a química, a filosofia, a sociologia, astrologia, religião, neurologia, assim por diante. Estaríamos escrevendo infinitamente e não esgotaríamos o assunto.

Não poderia dar rumo a termo desta reflexão, sem transcrever fascinante trecho literário sobre aquele que ama:

Se pudesse acontecer, por obra de encantamento, que uma cidade ou exército só contivesse em seu seio amantes e amados, seria impossível que tal exército ou cidade não encontrasse neles a máxima garantia de sua prosperidade. Tais homens, com efeito, se absteriam de todo mal e só procurariam o seu bem recíproco. Nos combates, tais soldados, ainda que em escasso número, venceriam, por assim dizer, a humanidade inteira. A desertar o posto, ou baixar os braços, aos olhos do amado, preferiria o amante ser assim visto pelo exército inteiro; e, para se poupar desta vergonha, correria antes ao encontro da morte. Quanto a abandonar o seu favorito*, deixá-lo ao desamparo na hora do perigo, não haveria homem assaz covarde, que o Amor não animasse de coragem, igualando-o ao mais valoroso.”

(Discurso de Fedro na obra “O Banquete” de Platão)

* “Quanto a abandonar o seu favorito” - trecho da obra escrita na Grécia Antiga, onde somente existia amor entre homens. As mulheres eram tidas como parceiras de auxílios reprodutivos e domésticos.
Feliz é aquele que já sentiu sintomas de náuseas, falta de ar, tonteira, secura labial, nervosismo, taquicardia e descargas de adrenalina por amor, mas viveu aquele momento para enobrecer a alma e lançar mão desse combustível, para alimentar o bem e a virtude terrena. Infeliz é aquele que sentiu, mas entendeu que amar é o mesmo que quedar-se enfermo numa cega, desenfreada e ilimitada produção de desagravos e malgrados sociais.
Ame tudo hoje e sempre.